I.
Desde a antiguidade a melancolia intriga filósofos e pensadores. Façamos um breve esforço retrospectivo antes de entrarmos nos autores que são o foco dessa análise. A própria etimologia da palavra sugere uma relação com a teoria hipocrática dos quatro humores do corpo. Na língua grega, melancolia seria a junção de duas palavras: melas que significa negro, e chole, bile. Assim, nesse momento, melancolia é associada à bilis negra, um dos quatro humores junto com o sangue, a bílis e a fleuma que influíam sobre a pessoa. A bílis negra era bastante importante nessa teoria, uma vez que, quando atacava o corpo, causava a epilepsia, tão comum nos oráculos gregos. Já quando atacava a mente, tornava a pessoa melancólica. De outro lado a associação da melancolia ao negro, já a relaciona com o luto e a morte.
Mas é Aristóteles o primeiro autor a teorizar substancialmente sobre a melancolia, em seu livro Problemata, XXX, I, no texto “O homem de gênio e a melancolia”. A preocupação central do autor reside no enigma que percorre os melancólicos: a oscilação entre a genialidade e a loucura. Nas suas palavras: “Porque razão todos os que foram homens de exceção, no que concerne à filosofia, à ciência do Estado, à poesia ou às artes, são manifestadamente melancólicos (...)?”.[1] Sob esse prisma, portanto, o melancólico é visto por Aristóteles como homem de exceção, ou peritói. Não pode ser descrito nem do ponto de vista médico, nem do ponto de vista moral, uma vez que se afastam das características dos homens medíocres. Vale lembrar que ser um peritói é fundamental naqueles que estariam sujeitos às tentações da hybris, ou desmedida. Essa última tende a desviar o foco do indivíduo do nomos e levá-lo rumo ao absurdo. Em suma, a melancolia implicaria uma certa atitude de contemplação que se tornava seu portador uma exceção, podendo mesmo ser considerado louco, o possibilitava uma análise profunda da realidade, que poderia o conduzir à genialidade.
Já no período da Idade Média, sob influência das ciências árabes, a melancolia passa a ser vista como uma influência demoníaca de Saturno. O que antes se tratava de uma patologia, ou seja, de uma condição interna ao corpo, foi então transferido a uma causa externa: a astrologia. Por se tratar do último planeta conhecido à época, Saturno elevava o melancólico a um estado de contemplação profunda. As causas mudam, mas a caracterização do melancólico continua a mesma: tendência à internalização e à sabedoria e erudição. Há também nessa influência saturnina uma característica de antítese no estado melancólico já que Saturno foi o pai de todos os deuses ao mesmo tempo em que devorava seus próprios filhos.
Durante a Renascença o símbolo da melancolia se tornará o anjo, imagem essa eternizada através do quadro de Dührer.
Personagem dividido entre o divino e o humano, não encontra seu lugar nem no mundo terreno nem no mundo extra-terreno. Daí sua atitude de negação do mundo, de reflexão interior e de apatia aparente. Apesar da possibilidade da genialidade a existência do melancólico é triste e miserável.
Mas é na Modernidade, com a emergência das democracias de massas, das revoluções industriais e científicas, com a reforma protestante e com a emergência do capitalismo que a melancolia se tronará ainda mais importante. Diante de um mundo igualitarizado, coisificado e tecnocrático e mesmo com uma ruptura com o transcendente, o melancólico se sentirá ainda mais isolado, marginalizado. Em suma, diante de um mundo desencantado, pode-se mesmo dizer que a melancolia reflete uma espécie de mal-estar da modernidade. E na obra de dois grandes intérpretes da modernidade a melancolia aparece de forma impactante: Sigmund Freud e Walter Benjamin.
II.
O ápice da reflexão de Freud acerca da melancolia se daria em sua obra Luto e Melancolia, mas essa questão perpassaria todas as definições-chave de sua obra, e já fora esboçada anteriormente em alguns fragmentos [colocar os números dos fragmentos]. Certamente que o núcleo da teoria freudiana se dá a partir do complexo de Édipo, mas também a melancolia ocupa um lugar de destaque nessa teoria.
Em Luto e Melancolia, Freud define essa última como uma forma extrema de depressão. O interesse pelo mundo exterior é suspenso. Perde-se a capacidade de amar, o sentimento de auto-estima é diminuído e, finalmente, num processo sadista, iniciam-se auto-acusações e auto-punições. Para explicar o desenvolvimento do estado melancólico o autor se remete à situação do paciente em luto.
Enquanto a melancolia seria um estado patológico, o luto, por sua vez, seria um estado normal. O processo de luto seria uma reação à perda de uma pessoa amada, ou de algo abstrato posto em seu lugar, como a pátria, um ideal ou valor. A partir de um confronto entre a realidade, que torna óbvio que o objeto amado não existe mais, e da incapacidade de se aceitar essa perda se configura o processo de luto. Gradualmente o objeto amado vai sendo substituído por lembranças ou objetos que se associem a ele, e assim, aos poucos, a libido se retira desse completando o processo de luto. Durante esse, vale lembrar, quase todas as características acima elencadas pelo autor do estado melancólico se manifestam, excetuando-se a auto-depreciação, incluindo-se nessa um sadismo e a diminuição da auto-estima.
No caso da melancolia, o processo se dá de forma semelhante. Buscando assimilar o conflito desencadeado pela perda do objeto amado, o sujeito busca não desinvestir e transferir sua libido, mas sim incorporar o objeto psiquicamente. Dessa forma o objeto perdido funde-se com o Ego, ou com parte dele. Nas palavras de Freud:
“A sombra do objeto se projetou assim sobre o Ego, que passou a ser julgado por uma instância particular como um objeto, um objeto abandonado. Dessa maneira, a perda do objeto se transformou na perda do Ego, e o conflito entre o Ego e a pessoa amada, numa cisão entre a crítica do Ego (Superego) e o Ego, modificado pela identificação (...) Se o amor pelo objeto se refugiou (...) na identificação narcisista, o ódio entra em ação injuriando e aviltando fazendo sofrer o objeto substitutivo, e derivando desse sofrimento uma satisfação sádica. A tortura que se inflige o melancólico e que indubitavelmente é uma fonte de prazer, representa (...) a satisfação de tendências sádicas (...) que visando um objeto, sofreram uma inflexão sobre o próprio sujeito”.[2]
Ou seja, a partir da identificação do objeto amado com o Ego, o sujeito melancólico interioriza o conflito, que passa a existir entre o Super Ego e o Ego.
“No luto é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia é o próprio ego. O paciente representa para nós o seu próprio ego como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido”[3]
Assim, acaba-se gerando uma situação de sadismo, que se por um lado gera dor, por outro gera prazer. Novamente é retomado o lado antitético do melancólico. O Eu passa a ser julgado como o próprio objeto ausente. A lacuna do objeto amado torna-se o vazio do próprio Eu. Daí as constatações do autor sobre as descrições que os melancólicos fazem de si mesmos como inúteis, desprovidos de valor ou sentido, sem lugar no mundo:
“Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor.” [4]
Mas Freud chega também, a uma conclusão surpreendente e interessante, que parece retomar a idéia aristotélica de que o melancólico se situa num tênue limiar entre a loucura e a genialidade. De fato, o autor descreve o sujeito tomado pela doença melancolia como tendo um acesso privilegiado à verdade sobre a condição humana. Daí não haver necessidade de contradizer o paciente, uma vez que, provavelmente, ele esteja bem perto das reais conclusões não só acerca de seu estado, mas também o de todos os outros homens. Ao refletir sobre si o melancólico, dotado de um imenso senso de realidade, aspira uma busca pela verdade. Verdade essa que muitas vezes chega a se confundir com a loucura. Nesse sentido, afirma Freud em Luto e Melancolia:
“Certamente, de alguma forma ele [o paciente] deve estar com a razão, e descreve algo que é como lhe parece ser. Devemos, portanto, confirmar de imediato, e sem reservas, algumas de suas declarações. Ele se encontra, de fato, tão desinteressado e tão incapaz de amor e de realização quanto afirma. (...) O paciente também nos parece justificado em fazer outras auto-acusações; apenas, ele dispõe de uma visão mais penetrante da verdade do que outras pessoas que não são melancólicas. Quando, em sua exacerbada autocrítica, ele se descreve como mesquinho, egoísta, desonesto, carente de independência, alguém cujo único objetivo tem sido ocultar as fraquezas de sua própria natureza, pode ser, até onde sabemos, que tenha chegado bem perto de se compreender a si mesmo; ficamos imaginando, tão-somente, por que um homem precisa adoecer para ter acesso a uma verdade dessa espécie. Com efeito, não pode haver dúvida de que todo aquele que sustenta e comunica a outros uma opinião de si mesmo como esta (opinião que Hamlet tinha a respeito tanto de si quanto de todo mundo), está doente, quer fale a verdade, quer se mostre mais ou menos injusto para consigo mesmo”.[5]
No trecho acima o pensador cita Hamlet, personagem da obra homônima de Shakespeare. Ícone da condição da figura do príncipe-melancólico, é através da sua análise desse personagem literário que se pode clarear suas noções acerca da melancolia. Em certa altura da obra afirma Hamlet: “(...) como suas respostas são por vezes prenhes de sentido. É uma felicidade que a doidice freqüentemente alcança, e que a razão e a lucidez não lograriam parturir (sic) com tanto êxito”.[6]
Hamlet, esse misto de loucura e lucidez, ora configurado como uma personalidade neurótica, ora como histérico, é o personagem em cuja análise se entrecruzam as principais teses de Freud, o complexo de Édipo e a condição melancólica. De fato esses dois personagens literários, Édipo-Rei (da tragédia grega de Sofocles) e Hamlet parecem ter uma grande semelhança segundo as teorias psicanalíticas desenvolvidas por Freud. Sobre o personagem de Shakespeare, escreveu o autor: “o conflito em Hamlet está tão eficazmente oculto que coube a mim desenterrá-lo”. Uma espécie de fixação ou enigma de Hamlet perpassaria toda a obra de Freud.[7]
Esta tarefa que Freud se propôs a executar, tem início em uma carta de 15 de outubro de 1897, endereçada a Fliess. Vale lembrar que, nesse momento o pensador fazia uma espécie de auto-análise, sendo que Fliess ocuparia o lugar do analista, e em meio ao caos das idéias que lhe surgiam formulou, pela primeira vez o termo “complexo de Édipo”. Freud inclusive confessa: “descobri, também em meu próprio caso, [o fenômeno de] me apaixonar por mamãe e ter ciúmes do papai, e agora considero um acontecimento universal do início da infância”[8].
Aproximada um mês após a carta em que inicia essa formulação, em outra carta Freud explicar esse amor pela mão, tomando como referência a tragédia grega do Édipo-Rei:
“a lenda grega capta uma compulsão que todos reconhecem, pois cada um pressente sua existência em si mesmo. Cada pessoa da platéia foi, um dia, um Édipo em potencial na fantasia, e cada uma recua, horrorizada, diante da realização de sonho ali transplantada para a realidade, com toda a carga de recalcamento que separa seu estado infantil do estado atual”. [9]
Esse destino trágico de Édipo na peça de Sófocles, matar o pai e casar-se com a própria mãe, Freud vislumbra também para Hamlet, personagem de Shakespeare. Essa seria uma das chaves para a explicação freudiana do personagem, cujo significado, segundo ele, ainda estava oculto nas interpretações anteriores. Mas ainda havia outro passo para desvendar o engima de Hamlet: analisar psicanaliticamente Shakespeare, no momento da escrita da peça. O que teria o autor projetado em seu personagem?
Segundo os estudos de Freud da biografia de Shakespeare, Hamlet fora escrito logo após a morte do pai do poeta (1601), logo num período em que o autor revivia seus sentimentos e fantasias infantis em relação ao pai. Além disso, o nome do herói-trágico se relacionaria com o nome do filho de Shakespeare, Hamnet, que teria morrido precocemente. Ou seja, seguindo as duas indicações, a peça fora escrita em função de perturbações advindas da relação pai-filho.
Daí a melancolia hamletiana, já que o personagem encontra-se num estado de permanente hesitação e dúvida. Na realidade, a partir do assassinato de seu pai, Hamlet passa a ter suspensas todas as suas verdades, e hesita em cumprir o seu destino trágico. E nesse hiato de tempo, passa a questionar-se sobre sua própria condição, e manifesta todas as características básicas apontadas por Freud na condição melancólica.
Como nesse diálogo travado com Ofélia:
“Vai prum convento. Ou preferes ser geratriz de pecadores? Eu também sou razoavelmente virtuoso. Ainda assim, posso acusar a mim mesmo de tais coisas que talvez fosse melhor minha mãe não me ter dado à luz. Sou arrogante, vingativo, ambicioso; com mais crimes na consciência do que pensamentos para concebê-los, imaginação para desenvolvê-los, tempo para executá-los. Que fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra? Somos todos rematados canalhas, todos! Não acredite em nenhum de nós. Vai, segue pro convento. Onde está teu pai?” [10]
Mais adiante, ele não mais apenas acusa-se, mas seu estado melancólico reflete no desinteresse pela vida e pelo mundo. Apenas seu mundo interior interessa-lhe:
“Ó Deus, Deus, Quão cansativos, velhos, superficiais e não proveitosos Parecem-me todos os objetivos deste mundo”.[11]
De fato a grande tragédia psicológica de Hamlet se traduzirira, na peça, na sua hesitação em cumprir seu destino: matar seu tio, o assassino de seu pai, que havia se casado com sua mãe. E diante dessa complexa relação familiar o príncipe analisa a própria condição humana, alcançando aquela visão melancólica, ou barroca, da realidade. O fim trágico, em que Hamlet , sua mãe, seu tio acabam morrendo, seria o inevitável desfecho: a melancolia do príncipe não poderia terminar de outra forma. A morte seria sua única forma de glorificar-se.
“Hamlet, ele próprio, lamenta a lei contrária à destruição de si, pois tudo que deseja é evadir-se deste mundo que não oferece nenhuma esperança de realização de ideais. A única esperança para o melancólico é o suicídio, pois através da morte há a esperança, digamos assim desesperada, de encontrar-se com o Ideal, há esperança de resgate e salvação por meio do ato de se despojar da própria vida, pagando o maior preço pelo maior bem.”
III.
Diferentemente de Freud, que buscava um fundamento científico para a melancolia, Walter Benjamin faz um estudo filosófico sobre o sujeito melancólico. Suas observações sobre esse tema encontram-se principalmente em sua obra Origem do Drama Barroco Alemão, mas também em fragmentos de outras obras.
Para Benjamin a melancolia seria uma certa postura crítica diante do mundo, uma atitude filosófica de isolamento do mundo, para poder refletir sobre a condição humana. Para a compreensão dessa noção benjaminiana, é necessário primeiramente compreender suas teses sobre a história e sua visão barroca de mundo. Benjamin considera que a história não é um continuum linear que avança rumo ao progresso. Levantando-se contra essa concepção iluminista da história. A história é feita, para esse filósofo, de ruínas. Nas suas palavras:
“Os que até hoje conseguiram a vitória participam desse cortejo triunfal que conduz os dominadores de hoje até tal posição, na medida em que passam por sobre os vencidos que jazem no chão. (...) Não há nenhum documento de cultura que não seja também um documento de barbárie. Eles não nasceram unicamente do esforço dos grandes gênios que os criaram, mas ao mesmo tempo da anônima corvéia imposta aos contemporâneos desses gênios”.[12]
Fazendo uma apropriação nada ortodoxa do marxismo, Benjamin desenvolve uma teoria trágica da história. A história tal como os historicistas a concebiam seria uma história exclusiva dos vencedores. A história iluminista seria uma história progressista, onde o tempo seria linear e a humanidade caminharia sempre rumo ao progresso e ao desenvolvimento humano, guiada pela razão. Contrapondo-se a essas duas teorias, Benjamin vê a história como “crônica da destruição e das ruínas das coisas corroídas pelo tempo. É massacre que o presente sem memória converte em progresso. Mas ela é esse massacre, a memória é sua redenção, é luta contra a morte (...) como relembrança e transcendência”.[13]Ao mesmo tempo em que constrói uma teoria catastrófica da história, Benjamin aponta para a esperança. É somente na rememoração e numa história escrita a contrapelo que os homens podem se imbuir de esperança e caminhar na busca da felicidade e de um futuro.
Assim como na Idade Média a melancolia foi representada através do anjo quadro de Dührer, Benjamin utiliza a imagem de outro artista em suas teses sobre a história: a obra Angelus Novus, de Paul Klee. O melancólico anjo da história é representado no quadro olhando para o passado, desolado, ao mesmo tempo em que a tormenta do futuro impele suas asas rumo ao futuro. Seu olhar é triste, por observar as ruínas em que foi construído o progresso que o empurra para o futuro. Mas é apenas através desse olhar entristecido que ele se apropria do passado para orientar seu presente e caminhar com passos firmes rumo ao futuro. O olhar do historiador deve, para Benjamin, ser o olhar do Angelus Novus. Se mantendo “entre duas catástrofes, a já ocorrida e a pressentida. A catástrofe não está no passado, nem no futuro, ela é atual, quer dizer, existencial”.[14]
Esta postura melancólica frente ao mundo gera uma dupla conseqüência. De um lado, uma melancolia revolucionária negativa, numa postura inerte frente ao progresso, gerando uma passividade, uma ilusão do cumprimento de “ideais históricos”, sem que nada seja feito para que tais ideais tenham efeitos. De outro lado, a postura gera também uma melancolia revolucionária positiva. Uma luta constante para que o futuro seja o pleno de esperanças.
Segundo Benjamin, um outro quadro representa esse lado positivo a melancolia revolucionária: Spes (Esperança), de Andrea Pisano.
No quadro, o autor vê novamente a figura de um anjo que tenta, com suas mãos, alcançar um futuro inatingível. Mostra, assim, que a esperança não é uma atitude passiva, mas sim ativa na busca do futuro.
A recusa do melancólico, então, se volta essencialmente para o mundo moderno. A partir das transformações trazidas pelo Renascimento no campo artístico, cultural e científico as ações humanas foram privadas de todo valor. Algo de novo surgiu: um mundo vazio, parafraseando Martinho Lutero. Ou, nas palavras do velho Marx, na modernidade tudo que é sólido desmancha no ar. De tal modo o sujeito melancólico seria “visto, portanto como um estóico contido, um pensador, incapaz de agir, apto apenas a desenvolver o que seria o cerne da atitude filosófica, o remoer das mágoas e ruminar das idéias”.[15]
É especialmente no Barroco, não apenas como categoria cultural, mas também como atitude frente ao mundo, que Benjamin vê eclodir o germe melancólico, que passaria a roer todas as certezas sobre o mundo consolidadas. O cerne da atitude do barroco melancólico é a inação. Essa vem da incapacidade do sujeito de concatenar as idéias, já que a própria ausência de sentido do mundo deixa sua lógica incompleta. Assim, ele retira-se para dentro de si mesmo, não agindo para não chocar-se com nenhuma barreira, num processo bastante semelhante ao do luto. Ao refletir-se sobre si e sobre o mundo, o melancólico acessa um caminho especial na busca da Verdade, ponto de aproximação entre Benjamin e Freud. Verdade essa que é vista muitas vezes como loucura, outras como doença.
Ainda segundo Walter Benjamin, o melancólico flerta também com a morte, sendo seu mensageiro entre os vivos. Ele trás essa mensagem porque trai o mundo, com sua atitude filosófica. Trai o mundo e o troca pelas coisas mundanas. Não dá ao mundo valor, vendo-o como um grande vazio. “A melancolia trai o mundo pelo saber. Mas em sua tenaz auto-absorção, a melancolia inclui as coisas mortas em sua contemplação, para salvá-las”.[16]
Se a melancolia, aparentemente, se refere a príncipes e cortesãos, Benjamin cria uma nova categoria para o conceito: melancolia de esquerda. Se a melancolia pode ser vista como conservadora, pelo seu apego ao passado, agora ela tem um novo aspecto. A esquerda, tradicionalmente triunfalista, tende a esquecer o passado, ou mesmo visar sua destruição pela via revolucionária para a implantação do novo.[17] Todavia, como a melancolia pressupõe a incapacidade de se libertar do passado, o melancólico de esquerda se situa na posição do Angelus Novus. Olha para o passado, ansioso por salvar-lhe, enquanto o futuro o puxa em um ritmo acelerado. Em um mundo coisificado e desumano, a atitude melancólica permite uma via revolucionária para a transformação da realidade. Talvez o mal-estar do século, não seja tão mal assim.
[1] Apud: FIANCO. Walter Benjamin e a melancolia. p. 93
[2] Apud: ROUANET. O Édipo e o anjo. p. 40.
[3] Apud: FIANCO. Walter Benjamin e a melancolia. p. 47.
[4] FREUD. Luto e Melancolia. s.n.t. p.2.
[5] FREUD. Luto e Melancolia. s.n.t. p.2.
[6] SHEAKSPEARE. Hamlet. Apud: FIANCO. Walter Benjamin e a melancolia
[7] Segundo estudo de Elisa Maria de Ulhôa Cintra, seriam, no total, cerca de 37 referências a Hamlet em toda a obra freudiana, quase sempre em elaborações acerca do Complexo de Édipo.
[8] VER: Hamlet no Divã disponível na internet.
[9] IDEM
[10] SHAKESPEARE. Hamlet. Ato 3, cena 1.
[11] SHAKESPEARE. Hamlet. Ato 3, cena 1.
[12] Apud. MATOS. Vestígios. p. 32.
[13] MATOS. Vestígios. p. 32.
[14] MATOS. O iluminismo Visionário: Benjamin leitor de Descartes e Kant. p.30.
[15] FIANCO. Walter Benjamin e a melancolia. p. 44.
[16] BENJAMIN. Origem do drama barroco alemão. p. 179.
[17] MATOS. Vestígios – escritos de filosofia e crítica social. p.66.
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