Oliveira Lima - Parte II

quarta-feira, 31 de março de 2010

Pan-americanismo
Apesar de tanto embate entre Paranhos e Oliveira Lima, no que toca à questão do Pan-americanismo o último soube admirar a postura de Rio Branco. O grande antípoda de Lima nesse tema seria Joaquim Nabuco, seu antigo amigo e companheiro. As divergências entre os dois começavam numa esfera bem peculiar: enquanto Nabuco ganhara o epíteto de Quincas, o Belo, a designação mais valorosa de Oliveira Lima seria a de Dom Quixote Gordo. Mas deixemos de lado as miudezas da história, que não deixam de ter sua importância, para retomarmos nosso foco.

O embate entre os dois dizia respeito, fundamentalmente, à avaliação da relação das nações latino-americanas com os Estados Unidos. A Doutrina Monroe, proclamada em 1823, receberia no século XX novas cores, com o que passou a ser conhecido como o Corolário Roosevelt. Fazendo referência ao presidente da grande nação ao norte das Américas essa doutrina pautava-se por uma política externa agressiva em relação à América Latina, daí a nomeação de big stick, buscando anular as ingerências de países europeus na política latino-americana.


Joaquim Nabuco tornara-se um fervoroso entusiasta do americanismo. Defendia uma aproximação total dos Estados Unidos, que, como uma grande nação desenvolvida, só poderia render-nos bons frutos. É lá que estaria representado o futuro, ao passo que a Europa carregaria o fardo da tradição, do passado, do velho. Oliveira Lima, por sua vez, distanciava-se bastante dessa visão. Via nas palavras e atitudes de Theodore Roosvelt as garras de um imperialismo que não diferia muito daquele empreendido pelas nações européias no continente africano. Defendia, portanto, uma reorientação da política externa brasileira, no sentido de voltar-se para a Argentina e demais repúblicas latino-americanas e manter vivos os laços com a Europa, continente que teria fornecido todas as bases e matrizes da formação da nacionalidade brasileira. Tal visão rendeu-lhe a caracterização, por parte de um dos fundadores dos estudos antropológicos no Brasil - Gilberto Freyre – de um “pan-americanismo crítico”.

Em oposição a doutrina Monroe, Oliveira Lima tece elogios à doutrina Drago, que para ele cuidava de “latinizar o monroísmo, desmanchando-lhe o exclusivismo norte-americano, que tem caracterizado e dado foros de antipática doutrina protetora; alargando-lhe a significação e o alcance (...)”.[1] E em sua obra o autor segue desferindo suas críticas: “É certo que de qualquer forma, por mais que a alarguem ou transformem, serão sempre os Estados Unidos o fator preponderante da doutrina (..) o broquel da má fé e da impunidade”.[2] Como não poderia deixar de ser, com sua bela escrita, ele garante o caráter irônico e leve de seus textos: “A razão dessa preferência devemos, salvo o respeito, ir procurá-las nas fábulas de La Fontaine: é o direito do mais forte que Darwin expôs como principio biológico, Bismarck expressou em máxima sociológica e Roosevelt quer fazer lei deste novo mundo, que Colombo descobriu para maior proveito e glória da raça anglo-saxônica”.[3]

Essa postura de críticas contumazes e infindas ao americanismo no molde norte-americano foi a que manteve Oliveira Lima antes, durante e depois III Conferência Pan-Americana, realizada no Rio de Janeiro em meados de 1906. Caminhando entre os dois extremos representados por Nabuco e Lima, estava o Barão do rio Branco e a política oficial do Itamaraty. Sem dúvida uma política que poderia ser caracterizada como cautelosa e conservadora, mas que lhe rendeu a seguinte dedicatória de Oliveira Lima em seu Pan-americanismo:
“AO SR. BARÃO DO RIO BRANCO, que no seu discurso de abertura da Conferência Pan-Americana do Rio de Janeiro indicou a esta reunião continental a verdadeira orientação que lhe cumpria seguir, e serenamente obstou à enfeudação do Brasil, país com aspirações e tradições próprias, ao sistema norte-americano; a um tempo prestando à Europa o tributo filial que lhe devem os herdeiros e continuadores da sua cultura, e reafirmando para com os Estados Unidos a estima cordial que ao Brasil merecem todas as outras nações do Novo Mundo, com as quais sente em comunhão de interesses positivos e de ambições morais”.[4]
Seria essa mais uma alfinetada de Oliveira Lima? Talvez não. Afinal, nem só de atritos se faz a história.
Uma breve conclusão
Voltemos, pois, às qualificações que intitulam esse ensaio. Dissonante? Certamente que a voz de Oliveira Lima assim o foi. Discordava dos rumos que o Barão do Rio Branco e Joaquim Nabuco davam à política externa brasileira, e o fazia com a mais alta elegância e competência na escrita. Talvez por essa postura tenha sido relegado ao ostracismo na vida de diplomata. Visionário? Talvez ainda mais do que dissonante. Em princípios do século XX o Dom Quixote Gordo antecipa questões fundamentais na política internacional atual, tais como: a aproximação das nações latino-americanas, a possibilidade da existência de uma Área de Livre Comércio das Américas, as relações entre os países americanos e europeus, enfim, os dilemas da globalização. Visionário, certamente, pois teve uma visão que estava muito além daquela de seu tempo. Emblemático, portanto esse cavaleiro da triste figura lutou com braveza e ousadia contra os moinhos monstruosos de seu tempo. Talvez tenha lhe faltado um fiel escudeiro. Mas, enfim, quantos não foram os Dom Quixotes, magros ou gordos, relegados ao esquecimento pela História?

[1] - Apud: LIMA, op. cit. p. 21
[2] - Apud: LIMA, op. cit. p. 27
[3] - Apud: LIMA, op. cit. p. 34
[4] - Apud: LIMA, op. cit. p. 17

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