Nas entrelinhas d´A Utopia

segunda-feira, 3 de maio de 2010



Não renunciamos a salvar o navio na tempestade só porque não saberíamos impedir o vento de soprar
(Thomas Morus)
Na obra Utopia, de Thomas Morus, trava-se um diálogo entre a personagem de mesmo nome do autor e um viajante denominado Hitlodeu – conhecedor de terras distantes, costumes e instituições políticas diversas – em que o personagem Morus busca o convencer da importância de disponibilizar seus eminentes conhecimentos como conselheiro dos príncipes, para benefício do bem público. Hitlodeu, com uma fala serena e bem articulada mantém-se relutante, firme em seu argumento de que os príncipes mantém em sua volta somente aqueles que falam o que eles querem ouvir e não aqueles que, antes de serem aduladores, ponderam com sapiência sobre as questões relativas ao bem comum. Assim suas opiniões, por mais bem fundamentadas que sejam, seriam descartadas, já que se levantando como voz dissonante esbarraria nas resistências daqueles que traçam seus rumos espelhados apenas na experiência de seus antepassados. De tal modo que as experiências novas que Hitlodeu presenciara em suas viagens de nada serviriam para convencer àqueles que, afundados no orgulho e na teimosia, preocupam-se mais em corromper o mundo em busca de seus interesses privados do que em agir em nome da felicidade e do bem comum. É em meio a esse debate que o personagem Morus pronuncia as palavras que servem de epígrafe a esse trabalho. Ora, ainda que Hitlodeu saiba das dificuldades de se fazer ouvir nas cortes, o que Morus tenta lhe convencer é que ainda assim ele não deve renunciar à atividade política, mas sim faze-lo de um modo específico, do qual falaremos adiante.

Antes, de avançarmos vale retornarmos à carta de Thomas Morus, o autor, a seu amigo Pierre Gilles que prefacia o livro Utopia. Nela o autor afirma suas dúvidas quanto à publicação da obra, preocupado com a recepção da obra que pretendia ser “um escrito capaz de servir e de agradar” (MORUS, 1997, p.13), mas poderia ser criticada por ser mal interpretada. Já se delineia aqui a estratégia retórica do autor, que não coloca sua obra no clássico rol dos tratados políticos, apesar do subtítulo da obra ser exatamente: “O Tratado da Melhor Forma de Governo”. Talvez Morus quisesse assim escamotear, primando pela prudência, as críticas e propostas contidas na obra para escapar da sina daqueles seus contemporâneos, como Munzer, que foram condenados por não suas idéias heterodoxas.
Essa idéia de que Morus adota uma técnica prudente de escrita é revelada por seu próprio personagem, homônimo, no diálogo já referido. O personagem Morus propõe a Hitlodeu que não seria possível aconselhar os príncipes revelando diretamente seu argumento, já que assim encontraria grandes resistências. Para evitar essa resistência, sem ceder o argumento afirma o personagem: “mais vale proceder por rodeios, e se esforçar, tanto quanto possível, por recorrer à habilidade (...)” (MORUS, 1997, p. 56.). Ora o que o autor Morus parece nos revelar através da fala de seu personagem é exatamente a estratégia retórica adotada por ele em sua obra: proceder por rodeios, ou a escrita através de uma via oblíqua; ou ainda trilhar um caminho indireto. Essa estratégia retórica, ou técnica de escrita é revelada ainda através dos traços cômicos dos dois eixos da obra: o nome Hitlodeu, em sua etimologia significa “contador de lorotas”, enquanto a ilha descrita na obra, Utopia, tem o significado de o “não-lugar”. Ou seja, Morus dialoga com um mentiroso que viajara a lugar nenhum.
Morus aconselha ainda Hitlodeu a representar uma peça, entrar no jogo para, uma vez dentro dele poder interferir em suas regras. Ainda assim Hitlodeu não se convence, onde Morus, o autor, novamente coloca sua técnica em prática, pois para ele tal atitude se equipararia a “sob o pretexto de remediar a loucura dos outros, (..) delirar em companhia deles”. (MORUS, 1997, p. 56).
Enfim, em meio a loucuras e remédios, o que o autor buscou fazer, ao trabalhar através dessa via oblíqua foi exatamente seguir as palavras expressas na epígrafe desse trabalho. Ele não renunciou, e traçou então seu caminho indireto para salvar o barco da tempestade. Não propondo um modelo a ser seguido, mas incitando à idéia de experimentação. Assim ele cumpre aquilo que seu personagem chamou de um “dever primordial para o homem de bem”: deu seus conselhos acerca de como lidar com a política a vida pública.

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