Cipriano Barata - Parte III

quarta-feira, 17 de março de 2010

Retornando à pátria foi impossibilitado de voltar para a Bahia, já que lá ocorria a guerra civil de consolidação da independência contra as tropas portuguesas comandadas pelo general Madeira[1]. Assim sendo ele desembarca em Recife, a 21 de dezembro de 1822. Três dias depois de desembarcar lança, junto com outros quatro ex-parlamentares, um manifesto sobre a situação nas Cortes e posicionando-se sobre a atual situação brasileira. Cabe aqui lembrar que o 7 de setembro não representava, na época, o marco oficial da independência. Tanto o foi que Cipriano não faz referência a tal data em seus escritos sobre o tema. Esse marco foi historicamente constituído, uma construção que segue tons de celebração memorialística, ignorando as diferentes dimensões do movimento que separou Brasil e Portugal. 


Nesse primeiro instante a postura de Cipriano é de legitimar tanto a forma de governo adotada, uma monarquia constitucional, quanto a figura de D. Pedro, chamando-o mesmo de “magnânimo defensor” dos brasileiros. Essa postura, a medida que a nação brasileira tenta se formar ignorando os anseios regionais com seu tom essencialmente centralizador, se alterará radicalmente. Desde esse momento Cipriano passou a publicar escritos com ferrenhas críticas a seu ex-colega José Bonifácio, denunciando o caráter despótico e aristocrático de suas ações à frente do governo imperial. 

Durante o período que vai de sua volta, à sua segunda prisão, em 1823, Cipriano Barata assume lugar de destaque, atuando como um dos mais influentes formadores de uma nova cultura política nacional. É nesse sentido que ele passa a ser caracterizado como um Exaltado[2], e nem mesmo o imperador se salva de seus ataques. Ele denunciava a formação de um Império Aristocrático, principalmente através da condecoração da Ordem do Cruzeiro, essa que ele mesmo recebera. Vários foram os panfletos e manifestos lançados por ele, nos quais questionava, principalmente, a legitimidade do estado que se formava no Brasil, a necessidade de o povo se constituir como sujeito político e contra o monopólio da violência por parte do Estado. A concretização de sua atuação panfletária e questionadora no espaço público se deu em 9 de abril de 1823, com o lançamento do nº 1 do jornal Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, Alerta! . Esse jornal, cujas peculiaridades trataremos adiante nesse trabalho, superou o circulo regional, tornando-se o principal elo de Cipriano com a sociedade e fomentando idéias por toda a nação que se formava.

Sua atuação jornalística refletiu-se no campo eleitoral e Barata foi o deputado mais votado para a Assembléia Constituinte de 1823 em todo o Brasil. Todavia ele recusa-se a tomar posse e continua em Recife, atuando através de seu jornal com proposições, debates e comentários acerca das medidas parlamentares. Sua posição a respeito da Constituição que vinha sendo redigida foi sempre de reserva e alertas contra seu conteúdo contrário aos princípios da liberdade e da igualdade.
Em agosto de 1823 Barata recebe uma carta do presidente da Assembléia Constituinte convocando-o a comparecer ao parlamento brasileiro. Em sua resposta ele coloca-se como avesso aos rumos que o projeto constitucional e mesmo à Constituinte, onde estariam muitos de seus inimigos. Ele afirma a impossibilidade de defender seus princípios numa assembléia “cercada por sete mil baionetas”[3], “entre o estrondo da artilharia e com as espadas na garganta” [4]

            No mesmo dia em que escreve a carta, 7 de novembro, Cipriano decidira retornar à Bahia. Na mesma proporção que suas palavras ganhavam adeptos, também seus inimigos cresciam. O movimento de repressão chega a se organizar de tal ponto que no mês de novembro circulava um manifesto pedindo o envio forçado de Barata para o Rio de Janeiro. Daí a decisão de voltar para a Bahia. Todavia seu passaporte para trânsito entre províncias fora negado[5]

            Na noite do dia 16 de novembro de 1823 a casa de nossa personagem é cercada por cercada e 150 soldados, sob o motivo de escoltarem-no ate o Rio de Janeiro. O interessante é notar que, ainda que tal notícia ainda não tivesse chegado a Pernambuco; a Constituinte, para a qual ele fora convocado tinha sido dissolvida pelo imperador no dia 12 do mesmo mês.
         
   Barata é então levado para a Fortaleza de Brum, ainda em Recife, de onde lança novo número de seu jornal, agora intitulado: Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, atacada e presa na Fortaleza de Brum por ordem da força armada reunida. Alerta!. Arbitrariamente Cipriano Barata, já sexagenário, é lançado nos calabouços imperiais, e passa a fazer seu jornalismo a partir do cárcere.

            Cipriano chega ao Rio de Janeiro em dezembro de 1823, já com o Congresso fechado pelo imperador,e é levado para a Fortaleza de Santa Cruz. O fato é que antes de sua prisão Barata já havia formado uma intensa rede de contatos e aliados. Tal rede de articulação foi de grande importância para o movimento que explodiu em Pernambuco em julho de 1824, denominado Confederação do Equador. As contribuições de Cipriano para tal movimento se deram, principalmente de duas formas. A primeira, através da pregação doutrinária em defesa do federalismo feita através da imprensa. A outra, e aí se vê a importância de tal rede de contatos, foi através da mobilização dos setores sociais, principalmente incentivando a luta direta, pelas guerrilhas. Frei Caneca, companheiro e correspondente de Barata, esteve à frente dessas guerrilhas, e acabou sendo executado ao fim da Confederação. 

            É interessante notar que os deputados da constituinte dissolvida encontravam-se, dias antes da chegada de Cipriano, encontravam-se presos no mesmo local para o qual ele fora levado. Melhor sorte tiveram eles que foram rapidamente soltos, incluindo os Andrada, ao passo que Barata veria o Primeiro Reinado encarcerado. A partir de sua transferência para a capital ele não mais teria oportunidade de escrever seu jornal. Uma das suas primeiras ações enquanto preso foi a de enviar uma petição ao Imperador, na qual afirmava em termos jurídicos a arbitrariedade de sua prisão e a incoerência das acusações a ele dirigidas. 

            No mesmo dia em que tal peitção é redigida Cipriano é transferido para a Fortaleza de Villegaignon, e, logo em seguida para a Fortaleza de Santa Cruz. A peregrinação carcerária tem fim na Fortaleza do Lage, considerada a pior de todas as prisões da época. Nesse local teria ocorrido o celebre ocorrido entre Barata e o Imperador. Esse, em meio a uma visita à prisão, chegando na cela de Cipriano e ao tentar dirigir-lhe a fala, esse último teria virado de costas.  Tal gesto simboliza a insubordinação de Barata a um governante por ele considerado como ilegítimo. De qualquer forma fora aberta uma devassa acerca da prisão de nosso personagem, e mesmo com sendo condenado a prisão perpétua. 

            Em 1826, com a volta do funcionamento da Câmara, Cipriano envia um requerimento a essa, denunciando sua incomunicabilidade e as péssimas condições daquela prisão. Tal documento causou impacto e rebuliço na Câmara, mas ainda não fora suficiente para a libertação de Barata. As pressões mantêm-se e Cipriano consegue quebrar a incomunicabilidade, lançando vários manifestos contra sua situação. De tal modo que em 1828 ele é transferido novamente para a Fortaleza de Santa Cruz, a qual tinha melhores instalações. A partir de 1830 o reinado de D. Pedro I torna-se instável e cresce o movimento oposicionista tanto no Parlamento quanto através de clubes e sociedades secretas. Novas pressões fazem com que o Supremo Tribunal de Justiça, órgão recém criado, se reúna para deliberar sobre a revisão do processo de Cipriano. A sentença acaba por ser anulada, e depois de alguns entraves burocráticos Barata é libertado. A fervorosa recepção e as calorosas comemorações pela liberdade de Barata atestam como ele projetara-se uma liderança e uma referência nacional.

Após curta estadia no Rio, Cipriano retorna a Salvador no dia 17 de dezembro de 1830. Já aos 60 anos ele retomara seus trabalhos como cirurgião. A 12 de janeiro de 1831 relança seu jornal sob o título de Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel de Pirajá. Alerta!. A terra natal de nosso personagem continuava sendo um local de convulsões sociais. Nos anos de 1822, 1823, 1826 e 1828 grande número de escravos foram mortos por se rebelarem.
Em 13 de abril de 1831 Cipriano envolve-se num episódio que, se um lado mostra seu prestígio entre a população escrava e pobre, de outro cria um temor nos proprietários. Ocorria nas ruas da cidade uma manifestação da plebe, que causava pânico na população,  contra os marotos[6], pregando mesmo seus extermínios, Barata, atendendo aos suplícios de um militar, vai ´`as ruas para acalmar a manifestação. Agrupando os revoltosos, Barata consegue acalma-los, pregando uma manifestação não violenta, e ao fim os manifestantes acabam por aclama-lo aos gritos de Viva Barata! . Cipriano já adotara, desde sua soltura, formas de resistência simbólicas, tal como sua vestimenta, de algodão, representando resistência contra as roupas industrializadas inglesas ou o ouso do chapéu de palha, significando adesão à causa patriótica. 

Após o ocorrido espalham-se boatos que Cipriano tramava um levante junto com os negros, seguindo os moldes da revolta do Haiti. Barata colecionava inimigos poderosos entre os representantes ingleses e os grandes proprietários de escravos. De tal modo que em 28 de abril de 1831 sua casa é cercada e Cipriano é novamente preso, sob a acusação de tramar um levante de escravos e envolver-se em desordens na rua. É possível dizer-se que a prisão de Barata foi o grande acontecimento político no país após a abdicação de Pedro I. A 26 de maio, após uma rápida devassa de 7 dias, ele chega novamente ao Rio de Janeiro, sendo levado no dia seguinte à Fortaleza de Villegaigon. Ele ficaria excluído de momentos-chave na política nacional, quando Moderados e Exaltados rompiam os laços que teriam permitido a independência e muitos de seus antigos companheiros ocupavam cargos de poder e eram absorvidos por esse. 

Em setembro de 1831 Cipriano é transferido para a Ilha de Cobras, com melhores instalações. De lá lança novos números de seu jornal, agora chamado Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General de Pirajá, hoje presa na Ilha de Cobras no Rio de Janeiro. Alerta! . Nessa prisão, envolve-se novamente em um tumulto, em 6 de outubro de 1831. Iniciou-se o conflito com reivindicações dos marujos acerca de seus direitos a baixa, garantido por decreto governamental. A partir daí ele, através de seu domínio discursivo, passara a liderar o motim, que seria severamente reprimido pelas forças legalistas. Por duas ocasiões Barata quase é morto no presídio.
Após tais episódios ele peregrina passa novamente por Villegaignon, depois por um navio-prisão em Niterói. De ambas localidades lança novos números da Sentinela da Liberdade. Finalmente ele, ainda preso, é remetido de volta para a Bahia, para o Forte do Mar. Lá, além de continuar suas publicações, casa-se novamente. Enquanto esteve nessa prisão foi também julgado e sentenciado a 10 anos de prisão, sentença que foi recebida com indignação pela imprensa. Em 1833 é lançada a candidatura de Cipriano para o Senado, enquanto ele ainda permanecia preso. Mais um indício da forte influência das idéias d nosso personagem no cenário nacional. É feita uma revisão na sentença, permeada de ilegalidades, mas que acaba por absolver Cipriano. Ele se reencontraria com a liberdade no primeiro semestre de 1834.
Assim sendo Barata volta a atuar na cena política, recebendo maciças votações para o Senado, e não assumindo tal cargo por manobras do poder Executivo. Na transição de uma Regência Trina para uma Regência Uma seu nome é mesmo lançado para tal cargo. Recebe bom número de votos, mas é derrotado por seu ex-companheiro Feijó. Como a Bahia ainda estava agitada com revoltas populares, e em 1835 os escravos revoltosos estouram a Revolta dos Malês, Barata estabelece-se em Recife. Volta a lançar o Sentinela da Liberdade e a desferir críticas contra seus adversários. Inclui nesse rol os líderes da Revolta da Cabanada, movimento de cunho conservador, contra o governo instituído na Regência, iniciado em Pernambuco em 1832.
O último número do jornal de Barata que se tem notícia é publicado em setembro de 1835. Tudo indica que em 1836 ele muda-se para a Paraíba, onde monta uma botica para conseguir os meios de sua sobrevivência. Todavia, a saúde do cirurgião dava sinais de esgotamento. Tendo uma vida marcada pela tensão e pelas péssimas condições dos cárceres, ele apresentava sintomas de diabetes, insuficiência renal e hipertensão. A primeiro de junho de 1838 Cipriano Barata deixa a vida para adentrar a memória histórica. Caminho longo e demorado para fazer tal passagem já que durante muito tempo sua voz permanecerá calada pela memória oficial nacional.


[1] - A derrota final dos portugueses na Bahia se daria somente no dia 2 de julho de 1823.
[2] - Os grupos políticos brasileiros dividiam-se nesse momento entre Caramurus, Moderados e Exaltados.
[3] - BARATA, apud MOREL, op. cit. p. 179
[4] - BARATA, apud MOREL, op. cit. p. 179
[5] - Tal prática era rotineira no período.
[6] - Esses eram os portugueses remanescentes identificados com o sistema de dominação colonial

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