Oliveira Lima e o "Panamericanismo": uma voz dissonante e visionária - Parte I

segunda-feira, 29 de março de 2010



O homem e sua trajetória
Excêntrico, crítico voraz, irônico, visionário, brilhante. Muitos são os adjetivos que podem ser atribuídos a uma figura marcante na história da república brasileira como Oliveira Lima. Vejamos, pois, um pouco de sua trajetória e algumas questões que inquietaram o espírito desse instigante pensador.

Manuel de Oliveira Lima nasce no dia 25 de dezembro de 1867, em uma família simples, sustentada por seu pai, um comerciante português. Mas esqueçamos logo seu primeiro nome, pois, o diplomata arredio e inquieto que marcará a política exterior da república se tornou conhecido como Oliveira Lima. Retornemos, então à sua trajetória de vida. Quando tinha seis anos, em 1873, mudou-se com os pais para Portugal, onde concluiria o ensino
fundamental e médio. Começa a freqüentar a Escola Superior de Letras em 1885, época em que inicia correspondências com o Jornal do Recife sobre assuntos diversos. Devido ao seu amplo domínio de línguas – francês, inglês e português – finaliza o curso superior em 1887. Três anos mais tarde seria surpreendido pela morte de seu pai, e acabaria retornando a Recife.
De volta à sua terra natal sua carreira não tardaria a deslanchar: após casar-se em 1891, no ano seguinte é nomeado Secretário da Legação do Brasil em Berlim. Embarca, então, para a Alemanha, onde publicaria seu primeiro trabalho: Pernambuco - seu desenvolvimento histórico (1895) que seria seguido por Aspectos da literatura colonial brasileira (1896). A essa época funda, também o jornal Correio do Brasil, em Lisboa e torna-se correspondente e colaborador de diversos jornais, tais como: Jornal do Recife; Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro; O Estado de São Paulo.
Entretanto, é no ano de 1895 que sua carreira diplomática parece alçar vôos mais altos. Nesse ano é indicado como secretário da Legação do Brasil em Washington, cargo que ficaria marcado pelos atritos com seu superior, Assis Brasil. Tamanho era o desentendimento entre ambos que, em 1900, Oliveira Lima é transferido para Londres. De Londres, as linhas mal traçadas da história levam-no a Tóquio. Posteriormente seria indicado para a Legação do Brasil em Lima, no Peru. Sua postura de rechaçar tal cargo daria inicio a algumas querelas, as quais mais tarde dificultariam sua ascensão no meio diplomático do país.
Seu próximo destino seria o cargo de Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil junto ao Governo da Venezuela, no qual permanece até 1906. Bruxelas e Estocolmo seriam, nessa ordem, as próximas cidades em que se instalou o diplomata. Antes disso, porém, devido ao seu destaque como literato e intelectual, Oliveira Lima assume uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 17 de julho de 1903.
Dando seqüência às publicações, lança, em 1907 uma reunião de artigos sob o título de Pan-americanismo, além da obra Escritos de Estocolmo. Diante de uma série de conflitos e atritos no meio diplomático, o escritor pede sua aposentadoria em 1913, um ano após realizar uma série de conferências em universidades européias. Finda a carreira, um híbrido de frustração e brilhantismo, ganha realce sua face de historiador. Passa a lecionar uma disciplina de Estudos Brasileiros na Universidade de Lisboa e continua a publicar suas obras em ritmo alucinante. Nesse período surgem: Na Argentina; D. Pedro I e D. Miguel e O Império brasileiro. Todas essas obras, nas palavras do autor, teriam sido escritas “com as cores que lhe ditavam o cérebro e o coração”.
À época em que todos assistiam estarrecidos o deflagrar da Primeira Guerra, Oliveira Lima residia em Londres. Todavia acabou por mudar-se para Washington, onde, na manhã de 24 de março de 1928 deixou a vida. Sua biblioteca, que contava com cerca de quarenta mil títulos, foi doada à Universidade de Washington. Deixou ainda dois livros, publicados postumamente: D. Miguel no trono e Memórias. As simples palavras escritas no seu túmulo – “Aqui jaz um amigo dos livros” – resumem objetivamente a trajetória de um dos mais brilhantes e versáteis intelectuais e diplomatas do século XX no Brasil.
As tensões na relação com Juca Paranhos
Se Oliveira Lima não conseguiu galgar os mais elevados postos dentro do Itamaraty, certamente não foi por demérito; mas sim por suas opiniões autênticas e, principalmente, por suas divergências com o principal articulador da política externa brasileira à sua época: Juca Paranhos. Sua relação com esse célebre homem, que gravaria seu nome na história sob a alcunha de Barão do Rio Branco é bastante conturbada, apesar de um começo bem próximo. Fundamentalmente, os dois iniciaram uma aproximação devido a um gosto comum: a pesquisa e escrita da história. É nesse terreno que travam seus primeiros contatos, um tanto quanto cordiais. Coube a Araújo Beltrão, diplomata residente em Lisboa, colocá-los em contato. Nesse momento Oliveira Lima assim se dispunha com relação ao Barão: “Estou absolutamente ao seu dispor e creia terei grande prazer em satisfazer qualquer encomenda sua”.[1] Como veremos, tal cordialidade não tardaria a se esvair.
Nos idos de 1889, quando a República foi proclamada pelos militares, enquanto Paranhos ficara apreensivo Oliveira Lima, um republicano convicto, resolve ingressar na carreira diplomática. De “colaboradores íntimos”, como pesquisadores, em curto tempo se tornariam vítimas de suas vaidades e opiniões divergentes. Rio Branco, pautando por uma visão pragmática, enquanto Oliveira Lima se preocupava com esforços teóricos. Um outro ponto que afastaria ainda mais essas duas grandes figuras seria a posse, de Oliveira Lima, da cadeira 39 na Academia Brasileira de Letras. Certamente que o Barão, sentiu, nesse momento, sua vaidade atingida, e talvez nesse momento começava a se germinar uma rivalidade entre os dois personagens.
O choque mais forte entre ambos, e certamente o mais traumático, se deu quando houve a indicação de Oliveira Lima para ocupar a Legação no Peru. Do Japão vieram as respostas, publicadas n’O país: “Para o Japão vim com prazer, e no Japão estou com grande prazer. (...) O Peru é, porém, um país morto, um meio por assim dizer nocivo à atividade intelectual”.[2] Iniciava-se aí uma das mais longas e porque não cômicas querelas da vida diplomática brasileira. Em 17 de janeiro de 1902 o então Ministro Barão do rio Branco envia por telegrama uma convocação para que Lima assumisse seu novo cargo no Peru com urgência. A postura desse último frente a tal convocação será decisiva para seu ostracismo dentro da diplomacia brasileira. Alegando motivos de doença e de ordem pessoal, Oliveira Lima adia permanentemente sua partida em direção ao Peru. Depois de passados quatro meses do primeiro telegrama o Barão envia-lhe outro, em tom impaciente e insatisfeito com a insubordinação do diplomata: “(...) e devo prevenir a Vossa Excelência que a não ser essa não terá o Governo tão cedo outra legação em que possa utilizar seus serviços”.[3] Somente em julho de 1903 Oliveira Lima se apresenta ao Barão do Rio Branco. A partir de então estava semeada a discórdia entre as duas ilustres figuras. Rio Branco tratando de relegar Lima a cargos de segundo plano; esse se esforçando ao máximo por tecer críticas sagazes em relação ao primeiro.


[1] - Apud: ALMEIDA, op. cit. p. 239
[2] - Apud: ALMEIDA, op. cit. p. 251
[3] - Apud: ALMEIDA, op. cit. p. 254

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