Hannah Arendt, buscando formular um conceito bastante específico e original de revolução inspira-se nas duas grandes revoluções que fundaram a modernidade política: a revolução americana de 1776 e a revolução francesa de 1789. Para compreendermos esse conceito cunhado pela autora torna-se imprescindível esclarecermos as noções de liberdade e libertação por ela trabalhadas e de que modo essas noções se relacionam com as experiências revolucionárias acima citadas. Ainda que sejam difíceis de precisar os limites que separam liberdade e libertação, especialmente no transcurso dos eventos revolucionários, essa distinção é essencial, uma vez que libertação refere-se, essencialmente, à questão social; enquanto a idéia de liberdade encontra sua expressão fundamental no mundo político, através da ação e da fala.
Investiguemos, pois, com maior acuidade essa distinção. A revolução francesa é um importante marco para clarear-se a idéia de libertação. Imaginemos o povo francês oprimido pela monarquia absoluta, em um estado de grande miséria, imersos na penúria e na pobreza. Esses homens imersos no domínio da necessidade, ao lançarem-se na cena pública buscavam especialmente a solução de seus problemas privados. Transformam-se então em uma grande multidão, de força incontrolável, cuja questão fundamental é urgente: a solução de suas necessidade, o pão e a vestimenta a que não tinham acesso. Conseguindo sanar suas carências esse povo teria conseguido libertar-se, não garantindo, no entanto, necessariamente espaço para o florescimento da liberdade. A Revolução Francesa, nas palavras da autora: “mudara de rumo; não buscava mais a liberdade; seu objetivo agora era a felicidade do povo” (ARENDT, 1988 p.48) Isso porque, se em seus momentos iniciais a pauta da revolução seria garantir a liberdade do povo, com a questão social se tornando primordial no desenrolar dos eventos, a revolução acabara por dar primazia à necessidade e não à liberdade.
No caso da revolução americana, por se tratar de uma realidade em que o trabalho escravo garantia aos homens livres os meios de subsistência, o eixo primordial da revolução foi fundar um espaço de liberdade política. Essa idéia de liberdade estaria ligada com uma forma de organização política em que os cidadãos estejam em igualdade de condições para deliberar sobre o bem público. Para tal a autoria considera ainda que “libertação pode ser a condição de liberdade, mas não leva automaticamente a ela (...) a intenção de libertar não é idêntica ao desejo de liberdade”. Assim a idéia de liberdade aparece intimamente ligada ao ato de fundação de algo inteiramente novo, ou seja, liberdade e revolução aparecem umbilicalmente ligadas.
A revolução seria o momento em que os homens se defrontariam, necessariamente com o novo. Momento de ruptura, torna-se primordial para a experiência de fundação. Assim, na base da revolução, Hannah Arendt enxerga a fundação de um novo corpo político cujo fim seria a preservação da liberdade política. Nos entremeios dos imbricados conceitos de liberdade e revolução estaria exatamente o tesouro revolucionário que Hannah Arendt busca recuperar. Tesouro perdido que seria exatamente a experiência radicalmente nova ocorrida, por exemplo, na América, quando os homens se defrontaram com um futuro que lhes era uma possibilidade em aberto, e buscaram criar uma forma de governo republicano em que se desfrutasse da liberdade política. Mas as próprias revoluções acabaram por enterrar esse tesouro, quando, em seu curso, emergiram os revolucionários profissionais, o mundo privado acabou por invadir o espaço público e os rumos se alteraram.
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