Reflexões sobre a obra "O presidente negro"

sexta-feira, 23 de abril de 2010


           
Destacarei a seguir alguns trechos da referida obra nos quais o autor, em meio à trama do romance, nos dá algumas indicações acerca de sua concepção do estatuto seja da História, seja da Ciência. Essas duas noções, bastante distintas, serão esclarecidas através de curtos comentários sobre os trechos citados.

                                                                        “– O mundo, meu caro, é um imenso livro de maravilhas. A parte que o homem já leu chama-se passado; o presente é a página em que está aberto o livro; o futuro são as páginas ainda por cortar. (...)” (p.147) 
As palavras ditas pelo professor Benson, comparando o mundo a um livro, são esclarecedoras. Ora, todo livro tem seu autor e seu leitor. No caso, seria o historiador um leitor ou escritor desse livro? E o cientista, onde se encaixaria nessa metáfora. Mais adiante veremos como essas posições se esclarecem.


  “... e desde então o fenômeno da vida, que também podemos denominar universo, desenvolve-se por si, automaticamente, por determinismo. As coisas vão se determinando...” (Grifo no original; p.153) 

Depois de complexa exposição de seus experimentos e de sua teoria acerca da vida na terra, professor Benson resume com essas palavras a formação das coisas tal qual aparecem no mundo visível. Partindo dessa idéia determinista, a história se resumiria numa eterna sucessão, causas e conseqüências que conformariam uma explicação lógica. Ou esse o estatuto do conhecimento científico?

“assim que escrevemos o presente 2+2, o futuro 4 já está predeterminado antes que a mão o transforme em presente lançando-o no papel. (...) a Bastilha, Luiz 16, Danton, Robespierre, Marat, o clima da França, o ódio da Inglaterra alem Mancham a herança gaulesa combinada com a herança romana o bilhão de fatores, em suma, que faziam a França de 89. Embora tudo isso predeterminasse o “quatro” Napoleão, esse futuro não poderia ser previsto por nenhum cérebro em virtude da fraqueza do cérebro humano.” (p.155)
Sem dúvida o leitor nesse ponto acredita fielmente que Monteiro Lobato trata a História de modo semelhante ao que faziam os historiadores metódicos. Uma série de circunstâncias necessariamente determinariam o porvir que se fez. E vivas ao teleologismo!! Mas outro ponto também fica claro no fim desse trecho: a ciência como portadora da vocação de aumentar o nível do entendimento e das capacidades humanas.

“– E dest’arte a evolução, que com o decorrer do tempo necessariamente vai ter a vida atual do universo, eu a apresso e a detenho no momento escolhido. Este meu cronizador, em suma, é um aparelho de produzir o tempo artificial com muito mais rapidez do que pelo sistema antigo, que é esperar que o tempo transcorra...” (p.164)

 Novamente nos é apresentada uma visão etapista, evolucionista. Mas pensemos um instante: se o cientista chegara ao ponto de criar um tempo artificial, acelerado, o que restaria do papel do historiador, aquele que por excelência tem por seu objeto o transcorrer do homem no tempo. Agradeçamos ao professor Benson ter guardado o segredo ou não restariam mais funções aos historiadores. Correto? Talvez não.

“– Mas isso não interessa, aventei levianamente. O passado é velho conhecido nosso.
– Engano. É tão desconhecido como o futuro e o presente.
(...)
– Mas se ignoramos o presente que dizer do passado?
– Mas a Historia?
 – A História é o mais belo romance anedótico que o homem vem compondo desde que aprendeu a escrever. Mas que tem com o passado a História? Toma dele fatos e personagens e os vai estilizando ao sabor da imaginação artística dos historiadores. Só isso..” (p. 166)
                Sem dúvida agora o autor brinca ironicamente conosco, historiadores do século XXI. Pois se vínhamos observando uma visão evolucionista da História, agora, em um primeiro momento em que ele – através do professor Benson - afirma ser o passado tão desconhecido quanto o presente ou o futuro, sentimos um traço relativista em sua visão. Mas logo em seguida ele responde às perguntas que foram feitas ao longo desse trabalho: a História se aproximaria de um romance, os historiadores seriam como pintores, só que trocariam o pincel pela língua e jogariam cores ao seu bel prazer nos fatos passados. Certamente, alguns na atualidade estremeceriam ao ouvir tal definição. Assim também ocorreu com o pobre Ayrton, ainda atordoado das novidades que ouvia. Então retrucou:

“– E os documentos de época? insisti.
  – Estilização parcial feita pelos interessados, apenas. Do presente, meu caro, e do passado, só podemos ter vagas sensações. (...) Os pobres seres que inconscientemente nela funcionaram como atores, confinados a um campo visual muito restrito, nada viram, nem podiam prever da tela heróica que os cenógrafos de historia iriam compor sobre o tema [a batalha de Waterloo].” (p.167).
            Certamente que o professor Benson se saíra bem dessa encurralada, uma vez que evocara os hoje consagrados princípios da parcialidade das fontes, e da crítica documental. Ora, ainda que o tenha feito para desvalorizar a história enquanto conhecimento científico, há de se ter admiração por tal postura. Digna de um sábio, diria o personagem Ayrton. Enfim, Monteiro Lobato, escrevendo em princípios do século XX, mostra-se um ardoroso defensor do darwinismo social, do cientificismo, e ainda que questionando a própria função social da História-conhecimento levanta questões importante de serem colocadas.


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